Mogli, o menino lobo, não foi o único personagem a aprender observando a natureza. Cientistas, designers, arquitetos e engenheiros vêm fazendo este processo de observação da natureza e coleta de aprendizados de forma sistematizada através da Biomimética, que pode ser traduzida como “imitação da vida” ou “imitação da natureza”.
Um exemplo famoso é o trem-bala, cuja aerodinâmica foi inspirada no bico do martim-pescador. O trem gerava um altíssimo ruído ao sair dos túneis por conta da onda de pressão atmosférica gerada ao sair dos túneis em alta velocidade. O pássaro serviu de inspiração para o engenheiro Eiji Nakatsu, que observou que seu bico favorecia a troca rápida de um ambiente com baixa resistência (ar) para outro com resistência maior (água). Além de resolver o problema do som, o novo desenho permitiu que o trem andasse com mais velocidade e consumindo menos energia.
Outro exemplo que você certamente conhecerá: o velcro, tão usado em nosso dia-a-dia, foi inspirado nos carrapichos, aquelas plantinhas que grudam em nossa roupa e cabelos com tanta facilidade.
OK. Mas o que a Biomimética tem a ver com Voluntariado?
Muita coisa. Você pode observar como plantas e animais interagem, colaboram ou constroem coisas juntos, e replicar suas técnicas nas ações de voluntariado. Aqui vão alguns exemplos bem práticos:
Ambientes com maior diversidade são mais resilientes
Quanto maior a variedade de animais e plantas em um ecossistema, maior sua capacidade de se recuperar de variações climáticas, inundações, poluição e outros desequilíbrios ambientais. Por isso mesmo, um dos impactos mais preocupantes pela perda da biodiversidade na natureza é a redução da capacidade de resistir à influência de fatores externos danosos.
Assim também acontece nas empresas e nos grupos de voluntariados. Quanto maior for a diversidade do grupo em termos de habilidades, conhecimentos, experiências e visões de mundo, maior a capacidade de o grupo lidar com diferentes contratempos ou desafios.
Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma
A famosa frase de Antoine Lavoisier, considerado o pai da Química, não poderia ser mais verdadeira também no voluntariado. Enquanto átomos e moléculas se reorganizam para formar diferentes substâncias ao passar por diferentes processos químicos, assim também são os recursos dos quais dispomos ao fazer uma ação voluntária.
Esta propriedade dos materiais nos inspira a ter um olhar de abundância e objetividade ao avaliar que recursos podem ser utilizados para se atingir o objetivo proposto. Entulhos de pedras ou madeira podem virar bancos de uma praça; retalhos de tecido podem se transformar em patchwork, jornais e revistas podem ser matéria-prima de lindas peças de artesanato. Portanto, ao promover atividades de voluntariado, exercite o olhar de transformação e estimule essa mesma postura nos voluntários participantes. Além de ajudar no sucesso da ação, é um exercício que serve como aprendizado para a vida.
Orquídeas buscam suporte em árvores de médio porte para ter mais acesso a luz
Na biologia, esta relação é chamada de “comensalismo”: é uma relação harmônica entre espécies diferentes, em que uma delas se beneficia da relação sem prejudicar a outra. A árvore não se beneficia diretamente pela presença da orquídea que se instalou em seu tronco; no entanto, também não é prejudicada. Portanto, não lhe custa nada servir de apoio à flor.
Da mesma maneira, um Programa de Voluntariado Corporativo pode ser um suporte para as ações de engajamento social promovidas pelos colaboradores, despendendo para isso pouquíssimo esforço. Neste modelo, a empresa não precisa necessariamente elaborar ações de voluntariado, mas simplesmente oferecer orientação ou ceder parte de sua estrutura para que os voluntários possam se mobilizar por conta própria. Em empresas de grande porte, tem sido cada vez mais comum um modelo de governança baseado em comitês locais com autonomia para promoverem suas próprias ações, tendo o apoio da empresa e reportando a ela os resultados alcançados.
Polinizadores: pequenos insetos se alimentam do néctar das plantas e, em troca, contribuem para semeá-las
Esta é outra atividade que, embora quase que antagônica à anterior, nos traz uma bonita relação com o voluntariado pela relação de troca que representa. Aqui não há uma hierarquia: a ação de voar de flor em flor é um exercício que permite a nutrição do inseto; por outro lado, ele se torna também multiplicador das flores nas quais se alimentou. Da mesma forma, voluntários nutrem sua alma, seu bem-estar e seu senso de propósito enquanto semeiam conhecimento, apoio e confiança entre as pessoas com quem interagem.
Aqui, um ótimo exercício é pensar: de que maneira podemos estabelecer relações de troca horizontais entre voluntários e beneficiados? Como valorizar o que o público beneficiado pode oferecer à comunidade? Como dar visibilidade e gerar aprendizado a partir de suas vivências e habilidades? A ideia aqui é cada vez mais desconstruir a ideia de voluntário-herói e, em seu lugar, construir uma visão que valorize cada ser humano como capaz de agregar e se doar.
Mamães ursas ensinam seus filhotes através do exemplo
Os ursos, assim como várias outras espécies de animais, aprendem a se defender e procurar alimentos ao observarem a mamãe ursa fazer todas estas atividades, até que começam a praticá-las por conta própria. Até mesmo entre seres humanos, sabemos que o exemplo é uma das maiores formas de se transmitir não apenas conhecimento, mas também valores. A famosa frase “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, não cabe aqui. Quando pais levam seus filhos ao nutricionista, preocupados por estes se alimentarem mal, o nutricionista logo pergunta sobre que tipos de alimentos os pais consomem na frente da crianças. Salvo algumas exceções, o comportamento da criança reflete o que ela observa dos pais, e não o que os pais pedem que ela faça.
Levando para o voluntariado, percebemos que devemos ser inspiração não apenas através da fala, mas principalmente pelo exemplo. Manter uma atitude positiva, de busca por conhecimento e espírito de equipe são a melhor forma de deixar um legado na vida do público com quem se está atuando – e até mesmo na vida dos colegas voluntários.
Esses são apenas alguns exemplos, mas a lista é infinita. Que tal promover uma atividade com seu grupo de voluntários, ou mesmo com o público beneficiado, para exercitar o que podemos aprender ao observar a natureza? Ou, se você tiver algum exemplo que não está nesta lista, compartilhe conosco. Vamos construindo juntos!