Aqui na V2V conhecemos a fundo as dinâmicas e necessidades das empresas que possuem um Programa de Voluntariado, já que trabalhamos com elas há mais de 15 anos. No entanto, sempre soubemos muito pouco sobre o lado das ONGs, com quem passamos a ter mais contato agora, com a criação da rede Sociomotiva.
Com essa aproximação, percebi que grande parte delas tem bastante vontade, mas ao mesmo tempo um certo receio de fazer parcerias com empresas para receber seus colaboradores como voluntários. Perguntando um pouco mais, descobri que muitas tentativas de parceria não deram certo porque os interesses das empresas e das ONGs eram incompatíveis. Mas como isso é possível, se a ONG está interessada em receber ajuda, e a empresa está interessada em ajudar?
A resposta está na forma como essa relação acontece, já que cada organização tem suas próprias necessidades e limitações. Por exemplo: é comum que as grandes corporações tenham grandes restrições de horário, ou de dias da semana, ou do tempo de duração de uma ação, já que é preciso ter cuidado para não interferir na produtividade do colaborador. Já a instituição muitas vezes precisa de um trabalho contínuo e dedicado, que a empresa não tem condições de oferecer.
Como, então, descobrir um modelo de parceria que favoreça a todos?
O primeiro passo para gerar uma parceria de valor real é quebrar a “hierarquia” que às vezes existe, que muitas vezes gera um pensamento do tipo “mas se a minha empresa já está oferecendo ajuda, a ONG não deveria fazer tantas exigências”. Este é um dos maiores mitos da ação voluntárias. Uma parceria real e de qualidade começa com a consciência de que todos os envolvidos (empresa, ONG e voluntários) estão ali igualmente para receber e oferecer benefícios. É uma relação de troca.
O diagrama abaixo mostra um exemplo dos principais interesses de cada agente ao participar de uma ação voluntária:
Abaixo, explico como com que a parceria garanta cada um deles:
Necessidades da Instituição:
Ter uma necessidade real atendida
Vou começar com um caso clássico: é muito comum que empresas façam grandes campanhas de arrecadação como ovos de páscoa ou presentes para o natal. É claro que é ótimo receber agrados para as crianças, mas o com frequencia acontece de virem doações em quantidade acima do que a organização necessita enquanto outros ítens essenciais continuam em falta. Então, ao fazer uma ação em prol de uma instituição, converse primeiro para saber o que ela realmente precisa no momento, e com que urgência. Isso vale tanto para campanhas de arrecadação quanto para ações presenciais, como mutirões de reforma, ou atividades mais elaboradas, como consultorias e pro bono.
Qualidade
Feito o primeiro passo, de definir algo que realmente seja relevante ou prioritário para a ONG, é hora de executar a ação. E aqui, o conselho é garantir que a ação seja feita com qualidade. Parece óbvio, mas atividades feitas de forma inadequada são mais comuns do que gostaríamos. Por exemplo: se for fazer um mutirão de reforma, garanta que haja materiais e talentos para fazer uma obra de qualidade. Caso contrário, pode ser mais interessante que os voluntários promovam eventos beneficentes para conseguir a verba e pagar profissionais para executar o serviço. Se o voluntário for dar palestras, deve ser capacitado e estudar o conteúdo para que chegue bem preparado à ação. Se for dar apoio à gestão financeira ou jurídica, o voluntário deve se preocupar em conhecer a fundo o cenário antes de propor suas recomendações.
Compromisso
O compromisso também está ligado à qualidade, mas como é um fator mais crítico estou tratando separadamente. A ideia aqui é explicar aos voluntários a importância do compromisso para que haja um resultado realmente transformador. Em ações de longa duração esse fator é inquestionável, mas mesmo em ações pontuais é importante que se vislumbre a continuidade dos resultados – seja com visitas frequentes ou orientando as pessoas da organização beneficiada sobre como seguir. Um caso real: já ouvi falar de hortas implementadas por voluntários com o maior carinho em uma creche, mas que logo deixou de dar frutos por falta de cuidados. Nesses casos, se os voluntários não puderem se revezar para cuidar da horta ao longo do tempo, é importante que façam uma capacitação para um membro da instituição fazer a manutenção do espaço.
Necessidades da Empresa:
Alinhar as ações com a estratégia institucional
Grande parte das organizações aderem a causas que estejam ligadas ao seu negócio. Por exemplo, empresas do segmento de alimentos tendem a fazer ações sobre saúde e nutrição, e empresas de transportes costumam aderir a campanhas de segurança no trânsito. É verdade que muitas delas abrem espaço para frentes que não sejam diretamente ligadas ao seu público principal; mas ainda assim, quanto maior for a proximidade de seu mercado, maiores as chances de conseguir que as ações sejam vistas com relevância pelos altos líderes da companhia.
Respeitar o horário de trabalho do colaborador
Um dos maiores desafios é conciliar os horários das atividades. Muitas vezes os colaboradores desejam fazer um evento com as crianças de uma creche, por exemplo, mas só têm permissão pra executar a ação fora do horário de trabalho – ou seja, justamente quando as crianças não estão na instituição. Por isso, o tipo de tarefas a serem executadas deve estar ligado à política da empresa sobre liberar ou não os colaboradores no horário de trabalho.
Assim, se os colaboradores têm direito a usar algumas horas dentro do horário de trabalho é possível trabalhar com palestras e visitas a escolas e creches. Por outro lado, se a empresa permite apenas que o funcionário faça suas ações fora do expediente, deve-se preferir ações como mutirões de reforma, mentorias, orientação jurídica, financeira ou de comunicação para ONGs, visitas a abrigos (em que idosos ou crianças passam os fins de semana na instituição), além de ações ligadas a meio ambiente ou intervenção urbana. Essas são apenas algumas ideias, mas há mil outras formas de ajudar uma instituição nos finais de semana. Aqui, mais uma vez, é importante saber que necessidades são importante para ela e mapear quais delas os voluntários podem ajudar a atender.
Não oferecer risco aos envolvidos
Algumas atividades podem oferecer riscos aos voluntários, como visitar lugais com alta taxa de criminalidade ou fazer tarefas com risco de acidentes. As empresas costumam evitar este tipo de situação, portanto mais uma vez é indispensável alinhar com a instituição o que será feito pelos colaboradores. Em um caso de mutirão de reforma, por exemplo, o ideal é deixar tarefas como subir em andaimes ou mexer em instalações elétricas por conta de um profissional. Conforme falei em outro tópico, os voluntários podem organizar eventos para arrecadar uma verba para contratar estes prestadores de serviço.
Necessidades dos Voluntários:
Ajudar uma causa em que acredita
Nada é mais motivador do que trabalhar por algo que você acredita ser extremamente relevante. Por isso as empresas de consultoria em Voluntariado Empresarial geralmente recomendam que a companhia faça pesquisas para saber os interesses de seus colaboradores. Deste modo, ainda que a empresa tenha seu Programa direcionado a uma determinada causa, ela poderá flexibilizar um pouco as atividades e buscar uma Instituição que esteja não só alinhada com a estratégia da empresa, mas que também desperte o interesse dos funcionários. Em um programa de voluntariado corporativo, os colaboradores são o principal agente dessa tríade – afinal, não existe ação voluntária sem voluntários – e por isso é imprescindível que as oportunidades oferecidas sejam atraentes para eles.
Socializar ou desenvolver habilidades
Sabemos que o voluntariado é uma parceria em que todos os envolvidos devem sair ganhando. No caso dos voluntários, principalmente quando participam de um programa empresarial, muitos deles querem aproveitar a ocasião para se entrosar melhor com seus colegas ou desenvolver algum novo talento, e não há nada de errado com isso. Então, para atrair mais adeptos, certifique-se de que as oportunidades oferecidas tragam ao menos um destes dois aspectos. Essa postura também ajudará o gestor do programa a ter mais apoio da área de RH, já que terá impacto direto no clima organizacional e no desempenho profissional dos colaboradores.
Fazer uma ação que caiba em sua rotina
Como falei acima, nem sempre as organizações liberam seus colaboradores para fazer atividades voluntárias dentro do horário de trabalho. Há um leque de atividades que podem ser feitas nos fins de semana ou após o expediente, mas nesse caso há um segundo ponto que merece atenção: o fato de que o colaborador quer aproveitar seu tempo livre para estar com a família e os amigos. Por conta disso, uma boa opção é promover ações em que o voluntário pode convidar a família para participar também, transformando a mobilização social em um momento de convivência e aprendizado. Caso seja impossível envolver outras pessoas (no caso de uma mentoria ou apoio jurídico, por exemplo), pode-se flexibilizar ao máximo combinando com o próprio voluntário um horário que seja mais amigável para ele e adequado para a instituição.
Estas são apenas algumas das necessidades de cada agente; poderíamos aqui listar dezenas deles. Você sentiu falta de alguma em especial que ficou de fora? Deixe abaixo nos comentários.