Por Reinaldo Bulgarelli, sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação
A diversidade nos caracteriza a todos e todas. Estamos falando de todos nós e não de alguns de nós. Somos iguais na condição de gente, como nos lembra a Declaração Universal de Direitos Humanos:
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”
É uma afirmação importante para lidarmos melhor com o fato de termos muitas características que nos tornam singulares, incluindo características que podem ser transformadas em motivo para desigualdades, injustiças e violências de todo tipo.
Por que é importante trabalhar esse tema nas organizações?
Trabalhar esse tema nas organizações significa chamar a atenção para nossas muitas características e isso está ganhando cada vez mais importância por alguns motivos:
1. Já se foi o tempo em que as organizações eram devoradoras de identidades, características ou de nossas singularidades. Há uma demanda cada vez maior para que possamos ser respeitados como pessoas e não como “mão de obra”, expressão que denuncia essa maneira de nos reduzir a uma peça de engrenagem, como se fossemos coisa e não gente.
2.O mundo de rápidas e profundas mudanças que construímos está fortalecendo nas pessoas a certeza de que a cooperação é mesmo importante. Precisamos uns dos outros em relações de complementaridade e interdependência para darmos conta dos desafios atuais.
Isso não se faz em grupos homogêneos ou homogeneizados, obrigados a se uniformizar, pensar e agir de forma semelhante para facilitar o comando e controle.
Passamos a investir em inclusão como forma de colocar os ausentes para dentro e passamos a desenvolver o apreço pela expressão das singularidades como forma de ampliar o olhar sobre a realidade e melhorar a qualidade das soluções.
3. O público interno e o público externo estão passando por esta transformação e não é de hoje, apesar do tema diversidade e inclusão estar mais visível agora. Nosso público de relacionamento, seja qual for a organização, está demandando por mudanças na maneira de tratamento.
O que era imposto como solução única para as pessoas passa a ser questionado porque as pessoas estão se expressando com suas diferentes características, portanto, desejos e necessidades diferentes.
E como isso pode ser transferido para o voluntariado?
O voluntariado se encontra com o tema da valorização, promoção e gestão da diversidade e inclusão pelo menos de suas maneiras.
A) Quem é a pessoa voluntária? Como constituímos grupos de pessoas voluntárias? Onde divulgamos vagas para o voluntariado, quem divulga e quais pessoas estamos atraindo? Lembramos, por exemplo, que nosso colega com deficiência, deveria ser considerado nas ações de voluntariado? Estamos preocupados em constituir grupos tão diversos como a diversidade de pessoas que encontramos no mundo com o qual queremos atuar, contribuir e realizar transformações?
B) Com quem trabalhamos em nosso voluntariado? Qual é o nosso público alvo? As pessoas em sua rica diversidade são consideradas? Valorizamos a pluralidade ou queremos homogeneidade mesmo diante de um mundo onde as pessoas estão buscando se expressar? Os muitos temas presentes no universo de pessoas com as quais lidamos são considerados? Lembramos, por exemplo, que ser homem ou ser mulher possui diferentes significados na sociedade, uma história de desigualdades baseadas nestas características e que isso pode impactar a qualidade do nosso trabalho?
Nas ações de voluntariado, o convite da diversidade é que se evite o máximo possível as afirmações, estratégias e práticas que generalizam, que tornam as pessoas uma massa sem singularidades.
O convite é para que se considere as características, diferenças e desigualdades presentes na realidade onde atuamos.
Se estamos trabalhando com crianças, é importante que nossa análise da situação e o planejamento das ações considere que estamos lidando com meninos e meninas, que está presente a questão racial, que as crianças com deficiência podem não ter acesso à organização parceira ou podem não ter condições de participar do que planejamos, entre outras questões.
Quando os temas de diversidade estão presentes, mas não as pessoas
Os temas de diversidade estão presentes, mas não as pessoas – Os muitos temas que chamamos de diversidade podem estar presentes, o que não quer dizer que as pessoas estejam presentes, como no exemplo acima da criança com deficiência.
A escolha da atividade, do local, a forma de realizar a comunicação, enfim, pode incluir ou excluir, gerar inclusão ou mesmo exclusão, o que seria danoso.
A ausência de pessoas com deficiência é um tema, uma questão para avaliarmos e considerarmos o que estamos fazendo ou deixando de fazer para que isso aconteça.
Quando as pessoas estão presentes, mas nem sempre estão presentes os temas de diversidade
O tema do machismo está presente nas desigualdades entre meninos e meninas, mas podemos ignorar e isso reforça ou até piora a situação.
As pessoas estão ali, mas ignoramos suas peculiaridades, temas, questões históricas ou não, em nome de uma igualdade que mais oprime do que liberta.
Tratar todo mundo igual na condição de gente exige que consideremos suas singularidades, contribuições, demandas, desejos ou necessidades.
Tratar igual pessoas com variadas características pode produzir injustiças e não justiça.
O termo equidade é utilizado para que a ação considere, como foi dito, características, diferenças e desigualdades. Queremos promover justiça e isso não significa oferecer as mesmas soluções e da mesma forma para todos.
Há outros motivos para não liderarmos bem com a diversidade humana, além da visão equivocada sobre igualdade como ponto de partida e não de chegada.
O que nos prepara ou capacita para ganharmos maior efetividade nas ações de voluntariado é manter sintonia com os valores universais de direitos humanos.
Essa sintonia contribui para não nos perderemos em motivações pessoais, visões de mundo particulares, crenças religiosas ou políticas.
Não se trata de abandonar nossas motivações, mas de lembrar que acima delas há compromissos com a dignidade de todas as pessoas.
Quando esquecemos disso, nossa ação social pode gerar problemas, mais desigualdades, exclusões e até violências.
Hoje em dia seria um absurdo pensar em ações de voluntariado que reforçam o machismo, por exemplo, mas é importante ter cuidado com isso.
Se a sua religião destina um lugar de subalternidade para as mulheres, defende que elas não deveriam estudar ou ter uma vida profissional, porque aos homens é destinado ter sucesso e prover a família, mantenha isso nas suas relações pessoais e não no trabalho social.
Estamos buscando melhorar a vida da população alvo de nossa ação ou estamos fazendo pregação religiosa de uma determinada igreja?
A visão sobre a deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, outras religiões – ausência de crença religiosa ou preconceito com quem tem religião, entre outros aspectos, podem mais prejudicar do que ajudar na atuação de um grupo.
O voluntariado deve transceder com o foco sempre no bem comum
O jeito de lidar com isso é perceber que a ação de voluntariado expressa nossas crenças e visão de mundo, mas seus resultados estão relacionados a compromissos que transcendem o que entendemos particularmente como sucesso.
Não trabalhar o tema significa, assim, risco de causar prejuízos ou, por outro lado, de nossa ação perder efetividade. Considerar a diversidade, ao contrário, melhorara a qualidade da ação.
Se queremos contribuir com a educação, por exemplo, sabemos que teremos educação para todos com todos pela educação e considerando de verdade todas as pessoas e não algumas delas.
É o que acontece quando generalizamos o “todos” sem considerar cada um que forma o “todos”. Na valorização da diversidade, cada um importa.
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