A história da filantropia está repleta dos jantares beneficentes, benemerentes, solidários e outros termos. E é bom para o meu Programa de Voluntariado ainda fazer esse tipo de ação? Promover um jantar comunitário seria uma boa ideia?
Nesse post a gente afirma que sim. Mas que seja feito de uma maneira inclusiva e participativa.
Uma revisão do olhar
O significado de benemerência talvez seja o que melhor explica o “ranço” que a comunidade do investimento social no Brasil tem desse tipo de abordagem pois é vista como aquela ação feita para enaltecer o “nobre doador”.
Os jantares sociais tidos como ações promovidas pela “alta” sociedade em favor dos pobrezinhos coitados, ou como tarefa de “primeira dama” para lavar uma boa imagem – ou o famoso “para inglês ver” -, de fato não enganam e não enganarão mais ninguém. E pelo contrário podem até macular a imagem da empresa desavisada que empreender uma prática social incipiente sob um discurso decadente.
E então você pode me perguntar: “– nossa Bruno! Você não está pegando pesado?”. Estou sim!
Chega uma hora que alguns posicionamentos precisam ser feitos. E se esse tipo de ação não levar essencialmente a uma lógica de participação social, e pelo contrário, se manter como uma ribalta de benemerentes, não contem comigo!
Contudo, não faria uma crítica assim sem apresentar alguma alternativa bem interessante 🙂
A prática positiva dos jantares comunitários
Aqui em Lisboa participei de alguns jantares comunitários que mudaram a minha percepção sobre o tema. E é sobre eles a dica de hoje. Ufa, afinal era um post de dica, não é mesmo?
E nesse caso, uma mudança sutil de posicionamento fará toda a diferença. Quando você faz de um jantar social, cria uma oportunidade para os voluntários exercerem o “servir” e o diálogo com os participantes do ensejo.
Sentar à mesa com a comunidade
A parte mais essencial, é que os “cidadãos beneficiários” do seu jantar sentem à mesa com você e junto com os voluntários. E que de um jantar em função de uma comunidade ou um grupo de pessoas (os sem abrigo, por exemplo), se torne um jantar com a comunidade.
E já aí a coisa começa a mudar de figura! Até mesmo eu começo a gostar bastante da ideia… Sabe o que é mais legal? Até agora nada de novo e rebuscado, não? Apenas uma singela mudança de perspectiva.
Pois nessa oportunidade, você inicia (e estabelece) uma relação horizontal com seus stakeholders convidados. E esses, sentados à mesa, num mesmo grau de dignidade, poderão ter a chance de aproximar o diálogo entre empresa – comunidade.
Pense bem no seu dia a dia:
– não é em torno das refeições que as melhores relações entre amigos são consolidadas? Muitos laços se fazem em torno da mesa.
Exercer o servir
Estamos acostumados à sermos servidos à mesa por cidadãos trabalhadores anônimos quando vamos aos restaurantes. Em geral, temos a preocupação enquanto clientes que nos ofereçam uma boa comida e que sejamos atendidos com atenção, exatidão, prontidão e um sorriso no rosto por pelo ser humano que está do outro lado.
Entretanto, está aqui também uma oportunidade de trocarmos os papéis e convidarmos nossos colaboradores a se colocarem no lugar do outro. Num jantar comunitário promovido por voluntários, você pode juntar a sua turma para planejarem minuciosamente como a comunidade e os convidados poderão se sentir perfeitamente acolhidos.
A depender das pessoas com quem vai jantar, algumas delas há muito não tem uma refeição com dignidade: desde o alimento a uma mesa posta. (Pense um pouco sobre o valor desse momento).
Assim, há os voluntários que ficarão responsáveis por cozinhar, por arrumar o salão com as cadeiras, ajeitar com carinho os talheres e por aí vai! Cada grupo com seu papel. Das experiências que vi por aqui, esteve tudo muito bem caprichado, e posso dizer que o zelo no acolhimento faz toda a diferença.
Ao montar o menu, tente perceber quais são as tradições e preferências alimentares do seu grupo de convidados: e sim! Chegue a esse nível de detalhes.
Quando servimos os outros, nos caem imensas fichas sobre como nos portamos no dia a dia com aqueles que nos servem em outros momentos. É uma grande oportunidade de aprendizado que não deve ser desperdiçada.
Promover a interação
É importante garantir mesas ou espaços heterogêneos, ou seja: que sentem à mesa colaboradores, convidados, técnicos, diretores: sem distinção. Quando mais diversa for essa mesa, mais rica será a interação.
O estímulo é que os colaboradores busquem as histórias da comunidade, exercitem o ouvir, conhecer melhor as pessoas que estão ali para partilhar a sua realidade com a qual muitas vezes não teriam contato normalmente.
Em momentos como esse, num simples jantar, vocês podem diagnosticar porque determinado projeto social não foi à frente, qual a real percepção da comunidade sobre a sua empresa e etc.
Mas atenção: A perspectiva inclusiva, o não preconceito, o saber ouvir e ter muita empatia precisa ser uma preocupação: se você pretende montar essa ação não esqueça de formar os seus voluntários para isso. E não precisa ser um curso de 8 horas comprado na consultoria… Basta uma cartilha virtual.
Comida e entretenimento
Uma ideia gostosa: enquanto as barriguinhas vão sendo preenchidas, pode haver uma atração cultural da comunidade, seja um músico local por exemplo, ou uma outra apresentação artística de encerramento.
Na medida do possível, tente evitar aquelas formalidades que distanciam as relações: como uma palavra do diretor, um discurso, ou situações que destoem muito do propósito do evento que é colocar as pessoas em pé de igualdade e proximidade. Todos são importantes. Se for dar a palavra, dê a palavra para a comunidade.
Estimular a continuidade
Não houve e não haverá mudança de indicadores sociais com o seu jantar. Certamente. Mas ele pode ser o pontapé para uma relação mais estreita com esse público. Entre voluntários e comunidade, entre empresa e beneficiários.
De forma que assim, com as relações mais “lubrificadas”, com colaboradores mais sensíveis às necessidades alheias, e enfim, com uma maior proximidade, melhores planos de continuidade podem acontecer.
Ninguém se vincula com o que não conhece, e o voluntariado também é assim!
Bom jantar, e se possível, me chamem!