*Bruno Barcelos e Giuliana Preziosi
A pandemia do covid-19 trouxe muitas reflexões, mas talvez a mais importante seja a valorização das nossas relações. O olhar para o outro passou a ter um significado muito maior desde que a distância passou a ser imposta.
Cuidar da família, conviver mais tempo com os filhos, a preocupação com pais e avós, não poder abraçar os amigos, encarar o home office, são situações que nos fazem pensar sobre nossa forma de relacionar.
Já parou para pensar o quanto nossas relações dizem sobre nós mesmos?
E qual seria o impacto das nossas relações frente ao mundo que vivemos?
Isso implica que também temos a oportunidade de valoração das relações: qual significado temos dado para elas? Que tipo de relações conosco e com o todo temos estabelecido até então?
Os laços que estabelecemos até então dizem muito sobre a fotografia do planeta que se pode tirar no momento atual.
E o que isso tem a ver com os gestores de voluntariado? Acompanhe nesse artigo.
A dualidade presente na coletividade
O ser humano não atingiu todas as suas conquistas de forma individualizada, é justamente a nossa capacidade racional e emocional de colaboração que diferencia a nossa espécie das demais.
Além disso quando nos unimos somos mais fortes para lidar com as adversidades.
O aumento da solidariedade nos últimos 4 meses é um exemplo disso, foram mais de 6 bilhões de reais doados, mais que o dobro do valor do ano de 2019 inteiro segundo o censo GIFE.
Neste sentido um grupo de pessoas comprometidas que compartilham os mesmos valores podem trazer soluções para muitos problemas, como por exemplo através do voluntariado.
Por outro lado, muitos problemas com os quais nos deparamos atualmente vem desta mesma coletividade: mudanças climáticas, degradação do meio ambiente, aumento das desigualdades sociais, crise hídrica, desperdício de alimentos entre vários outros.
E nada disso vem de um único indivíduo. Mas de uma forma de operar que desvincula o homem do planeta, do social, do todo.
“Por que estamos criando coletivamente resultados que ninguém quer?” questiona Otto Scharmer, criador do Presencing Institute e da Teoria U.
Essa dualidade presente na coletividade entre ser a solução e o problema ao mesmo tempo é o que nos faz refletir sobre o tipo de relações que queremos para o mundo que estamos construindo.
Qual o papel de cada um de nós neste contexto?
O gestor de voluntariado tem algum papel nesse cenário? Continuemos a reflexão:
É cada vez mais claro como tudo está interconectado. A crise advinda do coronavírus evidenciou nossa interdependência global como peças de dominó enfileiradas que vão caindo e gerando resultados inesperados por onde passa.
É fácil dar um empurrão em uma primeira peça de dominó, o difícil é reerguer todas as peças posteriormente.
Ninguém mais duvida dessa interconexão, do quanto um evento disparado em um canto do planeta pode rapidamente chegar dentro de nossas casas.
E o interessante é pensar nisso não apenas como vítimas, mas também como agentes: ora, se o que faz reverbera em aqui mim, será que o que eu fizer não reverberará acolá?
Isso prescinde também uma capacidade de auto-percepção do indivíduo no seu mundo:
- Qual é a sua responsabilidade com o coletivo?
- Responsabilidade social é de quem?
Colaboração é atualmente necessária para sobrevivência, mas nem todos enxergam os problemas da forma sistêmica em que eles se configuram.
Enquanto a gente insistir em ver as coisas de forma individualizada, as soluções não serão efetivas o suficiente para mudança necessária.
Enquanto insistirmos em delegar as responsabilidades, não perceberemos o quanto somos os adultos dessa relação com o planeta. E protagonistas.
Enquanto subestimarmos o potencial do nosso alcance, estaremos desistindo de sobreviver como espécie no planeta.
Por isso comece buscando os seus porquês, os seus “lugares internos” de vítimas ou agentes do contexto.
Alimente relações que os potencializem e transforme seus valores em soluções para os problemas que enfrentamos enquanto sociedade.
Responsabilidade Social: ciência e responsabilidade da própria força
Todo esse contexto reforça a importância de se falar em responsabilidade social: uma responsabilidade que começa no individuo, com sua forma de enxergar o mundo, e que se reflete nas suas relações com as outras pessoas, e por consequência é manifestado nas organizações das quais ele pertence.
A responsabilidade social empresarial é a soma da responsabilidade ética assumida pelas pessoas de uma empresa.
A responsabilidade social sempre parte dos indivíduos, deles são feitas as organizações, o seu reflexo.
E desde já aqueles que já estão apropriados desse termo sabem que não estamos falando de uma postura heróica diante do mundo, nem de um posicionamento idealista. Estamos falando de inteligência coletiva, da compreensão da ética como único lugar seguro para as sociedades e suas atividades econômicas, inclusive.
Por isso, ser responsável, sob essa ótica, é ser também estratégico, conectado, interconectado, com visão ampla de presente e de futuro, considerando multi relações, multi stakeholders, ação e reação, análise de recursos disponíveis, preservação e criação de recursos mais perenes, multiplicação de prosperidade para que o ambiente próspero propicie uma vida também próspera, ou seja: é gestão e como ela deve ser agora e sempre. E aí também entra uma boa gestão de um bom programa de voluntariado.
Independentemente das diferentes definições deste termo, a responsabilidade social está no agir em prol da solução e não em ser problema, está na forma como nos relacionamos não só com as pessoas, mas também com recursos, com empresas, com governo e com a sociedade como um todo.
Somos nós, as pessoas, que temos o poder de mudar estruturas, contextos, bairros, família, grupos, e organizações não como guerreiros solitários, mas como um grupo de pessoas com objetivos em comum, como divergentes positivos.
Responsabilidade Social e voluntariado: uma escolha de carreira
Escolher a área de Voluntariado e Responsabilidade Social (e outras correlatas), como carreira, significa que o indivíduo resolve fazer do advocacy pela “ética da responsabilidade” uma escolha de vida.
Pode significar que o indivíduo após perceber o seu lugar no mundo, entendeu também que deveria investir-se de corpo e alma nessa tarefa dentro das organizações em que atuam, como objeto de estudo e de trabalho.
O profissional de voluntariado e responsabilidade social são então aqueles que vivem de estruturar, institucionalmente, o ambiente para que os negócios, operações, produtos e serviços ajudem e não atrapalhem o meio social e econômico. Que construam e não destruam, e, muitas vezes, atuam até mesmo limpando o “lixo” que as atividades econômicas e financeiras não responsáveis podem gerar.
Mas vale dizer que esses profissionais não são os “lixeiro”, os “maquiadores”, nem os bonzinhos dispensáveis do mercado.
Eles também não são os demagogos, a boa face do mercado, os responsáveis por aquilo que é soft, emotivo e psicologicamente confortável nas organizações – dando a tudo isso uma conotação de inutilidade face o que seria hard, ou importante. Aliás, essas analogias são péssimas e invertem valores.
O gestor de voluntariado e responsabilidade social dentro de uma empresa é o desperto, e sabe que ressaltar o que há de humano nas instituições é dar luz para o que ela tem de melhor. E do contrário:
Que lógica de negócios diminuiria a importância daquilo que é humano, se não fosse uma lógica desumana?
Então as dores de ser um profissional dessa área passaram por transitar, até então, por um sistema humano que negou o humano como é de verdade: integral. Um sistema que, obsoleto, compreendeu o humano como máquina, objeto, recurso, ou como algo que se capture, sugue e subtraia benefícios.
E é dentro desse sistema que ele, o nosso personagem principal desse artigo, o gestor de voluntariado faz a diferença.
Em geral, mobilizando aliados e outros despertos dentro e fora de suas empresas, justamente para garantir a sobrevivência saudável de todos. Para garantir um relacionamento de qualidade dentro da empresa – entre colaboradores e líderes, e da empresa com a comunidade do entorno ou instituições parceiras.
As vezes parecem até aqueles enfermeiros que dão um remédio contra a vontade do doente, sabendo que aquilo é a cura, mas o mesmo nem sempre reconhece. Por isso o gestor de voluntariado tem ainda dentro das empresas o trabalho de proporcionar que todos reconheçam os ganhos advindos do seu trabalho, mostrando qual o valor do voluntário, das ações que realizaram, e o valor de empreender um programa social desse tipo.
Logo, o profissional gestor de voluntariado e responsabilidade social tem como características a resiliência e uma doutrinação diária. Dentre outros desafios como entrar na pauta estratégica, mostrar-se não como apêndices, e compreendidos que não são corpos estranhos dentro das empresas, mas partículas fundamentais, tão fundamentais como o oxigênio, sem o qual a missão e a visão da empresa não ocorrem mais, pois sem uma postura socialmente responsável não haverá mundo, mercado ou sociedade onde operar.
Simples assim.
Dito isso, é fundamental que os profissionais de voluntariado empresarial e responsabilidade social finquem os pés no chão e empoderem-se, e estendam seus braços para trabalharem em cooperação com a empresa.
Divergentes Positivos
Nesse momento, voluntários, gestores de voluntariado, gestores de responsabilidade social, de sustentabilidade e de pessoas como um todo devem ser divergentes positivos dentro da organizações.
Justamente, como dissemos, porque estão mais conscientes desse processo como um todo.
E o que é e como ser um divergente positivo?
No livro Divergente Positivo (Positive Deviant), de autoria de Sara Parkin a autora classifica como 7 característica de um “divergente positivo”, que citamos como 7 dicas de como ser um divergente positivo dentro da empresa, enquanto gestor de voluntariado empresarial.
1. Acredita no que faz
O gestor de voluntariado que conhece e acredita no poder das ações que estimula. Quando ele próprio não acredita nas ações perde a força de argumentação, de vender sua ideia interna e externamente. E por isso, é essencial pensar em ações estratégicas, de valor, com impacto transformador.
2. Tem conhecimento
Ganham confiança por meio do seu conhecimento técnico, e da sua reputação por senioridade dentro e fora da empresa.
3. Engaja e mobiliza
Sabem que o voluntariado não funciona sem mobilizar uma rede, fazer pessoas dentro da empresa e parceiros externos comprarem consigo sua ideia, para defenderem juntos sua causa, e as transformações necessárias que almejam.
4. Integra um bem maior
Um profissional de responsabilidade social, de voluntariado ou “uma liderança sustentável difere da comum, porque é algo muito maior do que o indivíduo, sua organização, ou até mesmo de sua família e país. É por um bem maior, que abraça toda a vida na Terra, incluindo toda a humanidade e as gerações futuras” (Fonte: Dom Total).
5. É positivo
As pessoas não vão se associar a uma pessoa negativa. No voluntariado sempre se dá a luz a quem faz e não se cobra, culpa e aponta que não faz. O exemplo e a positividade são os maiores engajadores.
6. Propõe soluções
Não para simplesmente na crítica. O momento atual não precisa mais de problematizadores, mas de “solucionadores”! Ou seja, aquelas pessoas que chegam até você com uma proposta positiva, com pé e cabeça, operacionalizável, simples, viável, e com resultados claros.
7. Trabalha duro
Ocupam o seu cargo com perseverança e continuidade, demonstrando propostas, resultados, e se movimentando muito, com sabedoria e assertividade.
O momento coloca o propósito em cheque e nós colocamos os pés no chão
Estamos acreditando que o momento atual coloca o propósito desses profissionais em cheque sim. E isso porque apenas aqueles que acreditam no que fazem, no porquê fazem, que se estruturam tecnicamente e estão imbuídos de propósito e flexibilidade continuarão.
Os profissionais de ocasião não permanecerão na área, ou irão para outras cearas implantando, para onde forem, os princípios de uma vida e de um negócio sustentável e responsável.
Mas enquanto profissional, uma vez que o momento ainda me permite essa reflexão, eu posso me perguntar com muita verdade agora:
– Sem julgamentos: por que escolhi trabalhar na área de RS e voluntariado?
– Quais crenças, propósito e ideais estão por trás dessa minha escolha pessoal?
– O quanto essa escolha tem bases profundas o suficiente para suportar períodos de crise?
– Como uma mudança de contexto pode me convidar a servir meu propósito de outras maneiras?
São perguntas legítimas que me posicionam comigo mesmo, e que me fazem ser resiliente e perseverante diante mesmo da minha frustração, indignação, desânimo e outros sentimentos que surgem no contexto atual.
Por isso resolvemos fazer uma sequência de conversas sobre esse assunto chamada: Pés no Chão. Decidimos criar um espaço para refletir sobre o mundo que queremos construir e qual nosso papel nele enquanto profissionais dessa área.
Essa jornada acontecerá nos dias 10, 17 e 24 de setembro ( sempre às quintas-feiras), no horário: das 17h às 18h30 (no Brasil) – ou 21h às 22h30 (em Portugal).
Nesses encontros pretendemos partilhar sobre os possíveis caminhos considerando as mudanças do cenário atual. Proporcionar um espaço para pensar ou gerar conexões e parcerias de uma rede fortalecida, e também de compreensão cenários possíveis. Além de ser um espaço seguro de troca, partilha de ansiedades e preocupações, assim como de boas ideias e soluções na área de Responsabilidade Social
O encontro é direcionado para interessados nos temas que serão abordados e gestores de Sustentabilidade, Responsabilidade Social, Recursos Humanos, Investimento Social Privado, Voluntariado, em qualquer tipo de organização.
As inscrições podem ser feitas aqui: https://www.sympla.com.br/pes-no-chao__919589
É gratuito mas as vagas são limitadas, então se está afim essa partilha faça a sua inscrição e venha partilhar tudo isso conosco.
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Bruno e Giu
Sócia na Conexão Trabalho Consultoria, trabalha com Sustentabilidade há mais de 15 anos. É graduada em Comunicação Social pelo Mackenzie, tem especialização em Planejamento Estratégico pela Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), MBA em Gestão da Sustentabilidade e mestranda pela Fundação Getúlio Vargas. Participou da criação da área de Responsabilidade Social da Arno, coordenou a área de Sustentabilidade no Bradesco e atualmente desenvolve projetos de responsabilidade social e treinamentos para grandes empresas. É especialista em engajamento, relacionamento com stakeholders e comportamento. Atua com Teoria U, design thinking, psicologia positiva e neurociência. Criadora do projeto “Histórias pelo Mundo”, viajou pelo mundo por 530 dias em busca de histórias e experiências socioambientais. Facilitadora pela SBDG. Membro organizadora do Grupo de Estudos de Voluntariado Empresarial. Consultora, palestrante profissional e colunista da Revista Plurale.
Quatorze anos de experiência em gestão de projetos nas áreas de Sustentabilidade, Investimento Social Privado, e Voluntariado, empreendidos por iniciativas privadas e públicas, dentre as quais o Santander Brasil e a FIEMG. Além de experiência em gestão de empresas e em OSs, bem como a articulação entre parceiros dos setores diversos. Ampla experiência no desenvolvimento de assessorias, capacitações e palestras nos temas acima citados para empresas de grande, pequeno e médio porte. Consultor, criador de conteúdo semanal para o blog de voluntariado do V2V.net, membro da direção da AWA Desperta consultoria para o desenvolvimento humano e social, e gestor de projetos no Montepio Geral, em Lisboa. Tem a graduação em música pela UFMG, pós graduações em negócios pela PUC Minas e Fundação Dom Cabral, e mestre pela Universidade de Lisboa.