*Por Amanda Aragão
A pandemia de Covid-19 trouxe um contexto de grandes desafios sociais para o Brasil e para o mundo. Empresas que já tinham uma atuação socialmente responsável compreenderam a necessidade de uma cooperação ampla, visando apoiar estados e municípios no enfrentamento dos impactos da doença.
E há uma informação, nesse cenário, que não é trivial: os grupos historicamente minorizados são os que mais sofrem os efeitos econômicos, sociais e sanitários da pandemia.
Ao analisarmos as suas consequências sobre mulheres, pessoas negras, LGBTI+ e pessoas com deficiência chegamos a números extremamente preocupantes e vulnerabilidades que se interseccionam e se somam a aspectos socioeconômicos históricos.
Alguns dados sobre o assunto
Negros somam mais da metade das mortes em São Paulo
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde, pessoas negras somavam, em maio, 43% dos hospitalizados, mas representavam mais da metade das mortes. Em São Paulo, por exemplo, pesquisas mostram que negros têm 62% mais chance de morrer por Covid-19 em comparação aos brancos, segundo matéria divulgada pelo jornal O Estado de São Paulo.
Da mesma forma que há uma relação direta entre o número de mortes por Covid-19 e o perfil racial, questões de gênero também podem ser observadas, mas sob outra ótica.
As denúncias de violência doméstica tiveram aumento significativo
Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos denúncias de violência doméstica cresceram, em média, 14% até abril deste ano, quando comparado ao mesmo período do ano passado. Somente em abril, o aumento ficou em 28%; e a grande maioria das vítimas são mulheres.
População LGBTI+ é vulnerável ao desemprego e à depressão
Ao analisar o impacto da pandemia sobre a população LGBTI+, uma pesquisa da UFMG e Unicamp mostra que essas populações estão mais vulneráveis ao desemprego e à depressão por causa da pandemia.
Além disso, o ambiente familiar, que para muitos é sinônimo de acolhimento e segurança, para pessoas LGBTI+ pode ser um espaço de violência psicológica e física.
Pessoas com deficiência sentem ainda mais dificuldades
No caso de pessoas com deficiência, há dificuldades desde a realização de atividades rotineiras, como comprar comida ou remédio, até a ausência de acessibilidade em canais de comunicação de saúde pública. Pessoas com deficiência lutam contra barreiras significativas para implementar medidas básicas de higiene, assim como enfrentam a falta de acesso a equipamentos de saúde pública. Elas são mais propensas a viver na pobreza e a estarem expostas a situações de violência, negligência e abuso.
O papel do Voluntariado Corporativo é fundamental
Ao analisarmos o papel do voluntariado corporativo, e pensando na relação com os Programas de Diversidade e Inclusão, esse cenário traz oportunidades de um foco maior em projetos voltados a mulheres, pessoas negras, LGBTI+ ou com deficiência.
Os grupos de afinidade, formados por empregados voluntários que, como o nome diz, têm afinidade com tais temáticas, podem planejar e implementar ações coordenadas para amenizar o impacto da pandemia junto a esses públicos. E este é apenas um exemplo.
O voluntariado e a diversidade
A relação entre diversidade e voluntariado é tão direta que é de se surpreender que existam poucas referências sobre o assunto.
É sabido que mais diversidade, no âmbito empresarial, amplia o engajamento, a produtividade e traz mais inovação e resultados financeiros para as companhias.
Igualmente, são comuns os relatos de pessoas que participam de ações de voluntariado e percebem um aumento em seu nível de motivação pessoal e profissional, além da oportunidade de desenvolver competências comportamentais essenciais ao momento que estamos vivendo.
As empresas que percebem o potencial de correlacionar essas duas áreas e trabalham na articulação de suas ações têm grandes chances de obter sucesso no enfrentamento de questões sociais urgentes.
Os grupos de afinidade
Em primeiro lugar, os grupos de afinidade são os espaços onde se concentram maior representatividade de pessoas provenientes de grupos em vulnerabilidade nas empresas. Normalmente, são compostos por pessoas que querem participar ativamente da transformação da cultura organizacional, trabalhando para que a empresa seja mais diversa e inclusiva.
Bem direcionados, esses grupos podem potencializar as ações de voluntariado, além de trabalharem para um entendimento mais acurado das demandas dos grupos minorizados.
Analisando as grandes tendências para a área de voluntariado, nos deparamos com ações mais estruturadas, planejadas e de caráter emancipatório. Além disso, é crescente o número de iniciativas que se utilizam dos meios digitais para disseminar, mobilizar e levar informação qualificada às pessoas.
Desafio no planejamento
Na área social, é relativamente comum, ao iniciarmos um projeto, começarmos pela análise dos ativos já existentes. E para as empresas que contam com programas estruturados, tanto na área de Diversidade, quanto na área de Voluntariado, aí está um grande diferencial. Coordenar, alinhar ações e direcionar esforços é o grande desafio nesse sentido.
Na prática, grupos de afinidade podem apoiar o Programa de Voluntariado no mapeamento de organizações sociais que trabalham para beneficiar grupos minorizados, na ampliação de um olhar empático em relação às suas principais necessidades, no desenvolvimento de ações emergenciais para beneficiar esses públicos, na realização de campanhas de doação (inclusive virtuais), na mobilização de mais voluntários para atuar em prol dessas causas, entre outras frentes.
Os desafios e as oportunidades da representatividade
Em contrapartida, um dos principais desafios, para os Programas de Diversidade e Inclusão, é o aumento da representatividade no próprio quadro de empregados. Como consultora da área de diversidade, já vi empresas organizarem grupos de voluntários internos para fazerem desafios de indicação de perfis diversos para posterior contratação, por exemplo.
É uma forma simples e efetiva de trazer mais diversidade para as empresas, valendo-se da rede dos próprios colaboradores, que são as pessoas que mais entendem sobre a cultura organizacional. Ter um mapeamento de talentos diversos é o primeiro passo para aumentar a representatividade na lista de contratados.
Empresas e sociedade são interdependentes
Por fim, a máxima de que “não é possível ser uma empresa saudável em uma sociedade doente” nunca foi tão verdadeira. E o papel do segundo setor, em contribuição ao Estado, é crucial. Os projetos e programas de Voluntariado e de Diversidade e Inclusão são aliados, pois olham na mesma direção.
Agora que podemos dizer que o futuro do trabalho chegou, as empresas podem (e devem) participar do desenho de um ambiente empresarial mais diverso, colaborativo, autônomo e saudável para todas as pessoas. A pandemia nos convida ao essencial; e relações humanas, empresariais e sociais mais saudáveis são, certamente, a contribuição mais genuína que as corporações podem oferecer no cenário pós-pandemia.
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Sobre a autora: Amanda Aragão tem experiência corporativa nas áreas de Recursos Humanos, Responsabilidade Social e Comunicação. É formada em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-graduada em Meio Ambiente pela Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP-SP). Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching, facilitadora de grupos e mediadora. É, também, Psicanalista em formação pelo Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP). Na Mais Diversidade, atua no time de consultoria, além de ser responsável pela Curadoria de Talentos, que busca apoiar empresas a selecionar e contratar times mais diversos.
Leia também o nosso post sobre diversidade: Voluntariado e valorização da diversidade