Para iniciar esse post, vou fazer uma citação que fala sobre quais ações de voluntariado podem ser desenvolvidas sob a ótica da cultura e da economia regenerativa.
“Sustentabilidade não é o suficiente: precisamos de culturas regenerativas” (Daniel Christian Wahl)
![](https://voluntariadoempresarial.com.br/wp-content/uploads/2019/08/iStock-846778790-1024x596.jpg)
A frase dita acima faz uma provocação no sentido de que prevenir não é mais suficiente para termos uma vida humana saudável no planeta, mas, tão importante quanto, também recuperar e regenerar.
Isso tudo faz muito sentido quando percebemos que a ação inconsequente do homem sobre a Terra pode ter passado dos limites.
(Se você preferir, ou já conhecer do assunto, pode rolar o texto direto para o item C: as dicas de ações, mas aconselho fortemente que se inteire dos conceitos que vou apresentar inicialmente).
A) Cultura Regenerativa
“A sustentabilidade, por si só, não é uma meta adequada. A palavra sustentabilidade em si é inadequada, visto que não nos diz o que estamos realmente tentando sustentar”, diz Wahl.
Afinal, queremos sustentar o status quo? Os atuais sistemas econômicos e produtivos? Sustentar a vida na Terra?
Segundo o mesmo autor, uma Cultura Humana Regenerativa preza pela saúde, resiliência e adaptabilidade. Percebendo o planeta como o ativo fundamental para uma sobrevivência próspera no mesmo.
A resiliência e a saúde nessa forma de pensar são muito interligados. Pois resiliência com o planeta significa a capacidade de reestabelecer o equilíbrio sempre que um evento aconteça, como observamos agora com a pandemia do coronavírus.
Resiliência sistêmica
De forma conectada com os tempos, fluxos e recursos, a adaptabilidade seria a capacidade de ler e interpretar os movimentos da Terra, e modificar os sistemas econômicos e sociais em resposta à vida espontânea e não controlável que nosso planeta possui.
Uma cultura regenerativa tem, portanto, a ver com uma resiliência sistêmica.
“A melhor forma de aprender a participação correta é prestar mais atenção às interações e aos relacionamentos sistémicos e, visando apoiar a resiliência e a saúde de todo o sistema, promover diversidade e redundâncias em múltiplas escalas, e para facilitar o surgimento positivo ao atentar para a qualidade das conexões e dos fluxos de informação no sistema”. (Daniel Christian Wahl).
– O Princípio da Precaução
É o princípio que mais tem a ver com o tema da sustentabilidade como conhecemos, e que integra a Cultura Regenerativa. Ele visa prever e estabelecer práticas de integração entre o social, econômico e ambiental, sem traçar limites entre um âmbito e outro (ou sem separá-los), visando evitar ao máximo que as práticas regenerativas sejam necessárias.
A Declaração de Consenso de Wingspread sobre o Princípio da Precaução afirma:
“Quando uma atividade ameaça trazer danos para a saúde humana ou para o ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo que algumas relações de causa e efeito não tenham sido cientificamente estabelecidas” (Declaração de Wingspread, 1998).
Bill Reed mapeou algumas das mudanças essenciais que serão necessárias para criar uma cultura verdadeiramente regenerativa.
![](https://voluntariadoempresarial.com.br/wp-content/uploads/2020/07/image.png)
“Em vez de causar menos danos ao meio ambiente, é necessário aprender como participar do meio ambiente — usando a saúde de sistemas ecológicos como base para o design. […] A mudança de uma visão de mundo fragmentada para um modelo mental de sistemas abrangentes é o movimento significativo que a nossa cultura deve fazer — delineando e compreendendo as interrelações do sistema vivo de forma integrada. Uma abordagem de base local é uma forma de alcançar esse entendimento. […] O nosso papel, como designers e acionistas, é mudar o nosso relacionamento para um que cria um sistema completo de relacionamentos mutuamente benéficos”(Bill Reed, 2007: 674).
B) A Economia Regenerativa
A Economia Regenerativa é um modelo econômico que traz a renovação e reutilização de recursos como primeira alternativa. A ação sustentável é assim pensada não como uma prática extra-oficial, mas necessariamente integrante. Assim como em qualquer processo na natureza, que não termina com o descarte, mas com a sua reutilização imediata.
![](https://voluntariadoempresarial.com.br/wp-content/uploads/2020/07/iStock-1178245156-1024x683.jpg)
Em sintonia com essa ideia, a economista Kate Raworth lançou o livro Doughnut economics: seven ways to think like a 21st century economist, ou Economia da rosquinha: sete maneiras de pensar como um economista do século XXI, que explica que nos últimos anos a atividade econômica fundamentou-se num processo extrativista – degenerativo do planeta.
Nele a matéria prima é utilizada e depois, o rejeito, jogado fora – como se existisse um fora – e a resposta para esse modo de operar foi o conceito de sustentabilidade como o conhecemos, basicamente preventivo.
Não basta preservar, é preciso recuperar
Com base na cultura regenerativa, a economia regenerativa volta os olhos para aquilo que já foi danificado, para as comunidades e ecossistemas degradados, não como algo que substitua do conceito de sustentabilidade, mas como uma adaptação do seu censo de urgência e prioridade. Não basta preservar, é preciso recuperar.
“A economia regenerativa é uma proposta teórica em sintonia com o sistema capitalista vigente, mas que sugere mudanças no modo como as coisas são valoradas. O que a diferencia da economia padrão é que, enquanto na teoria econômica padrão pode-se regenerar os bens ou consumi-los até seu ponto de escassez, na economia regenerativa, ao levar em conta o valor econômico dos capitais originais, a Terra e o sol, pode-se restringir o acesso a esses bens de capital original de maneira que sua escassez seja evitada” (Fonte: ECycle).
– Princípios da economia regenerativa
O site ECycle apresenta o que seriam 8 princípios da Economia Regenerativa. Partindo do pressuposto de que o princípio da ética do cuidado universal seja usado no desenho de iniciativas num sistema econômico.
- Relacionamento: “A humanidade é parte integrante de uma teia interconectada de vida em que não existe separação real entre “nós” e “eles””. Danos em qualquer parte influenciarão no todo.
- Riqueza holística: Riqueza e abundância não são sinônimos de dinheiro – moeda. Mas também bem-estar coletivo, da harmonia entre capital, tempo, sociedade, cultura, seres vivos. Abundância de experiência, de vida.
- Inovação, adaptação, sensibilidade: a mudança é uma constante no mundo. Inovar e adaptar são sinônimos de sobrevivência.
- Honra, comunidade e local: é necessário nutrir cada comunidade e região de acordo com sua história, caminho até agora, e suas tradições. Respeito ao local.
- Abundância do efeito de borda: trabalha a colaboração em todas as margens, ou seja, com a diversidade e o intercambio de sabedoria que essa prática possibilita.
- Equilíbrio: O balanço entre forças como:eficiência x resiliência; colaboração x competição; diversidade x coerência; e pequenas, médias, grandes organizações x necessidades.
“El mundo natural es un gran maestro. En él no existen los residuos, sino que la materia fluye. Desoyendo su lección, los humanos hemos implantado un enfoque mucho menos efectivo: producimos, utilizamos y desechamos”. (El periódico).
A economia circular está muito alinhada com a economia regenerativa na medida em que pensa os recursos não de forma linear, eliminando resíduos e poluição, mantendo produtos e materiais em ciclos de uso, e regenerar sistemas naturais.
C) 5 Ações de voluntariado alinhados a economia regenerativa
Enquanto voluntário ou promotor de voluntariado você pode planejar ações voltadas para o exercício, prática ou estabelecimento de uma cultura regenerativa. Favorecendo assim maior materialidade para uma economia de regeneração.
Algumas práticas são próprias desse racional, as outras talvez tenham a ver mesmo com o seu advocacy, conforme as dicas abaixo, que espero deixar os leitores inspirados.
1) Promover mentoria para criação de negócios regenerativos
Se o seu grupo de voluntários tem a vocação ou as competências necessárias para apoiar outros grupos que querem desenvolver um negócio social, pautado sob a ótica regenerativa, você não precisa ser o empreendedor que monta um negócio assim, mas aquele voluntário(a) que acompanha e apoia quem empreende. Veja alguns exemplos desse tipo de negócio:
- A empresa Sofá Café por exemplo pode ser uma boa inspiração de negócio no âmbito da alimentação.
- E a Insecta Shoes, que produz calçados, bolsas e acessórios de materiais recicláveis. No caso dos sapatos, a sola, é feita com borracha reciclada. A palmilha é toda feita com a sobra de tecidos da nossa produção ou de produtos antigos que voltaram de logística reversa. Os fornecedores são sempre locais. O cabedal pode ser feito de: roupas de brechó, garrafa PET reciclada, algodão reciclado ou tecido de reuso. O insecta possui ainda uma série de e-books que podem ser replicados por você enquanto voluntário.
- A Ford tem incluído diversos tipos de materiais em seu processo gomas de mascar recicladas na produção de peças automotivas – substituindo os antigos.
- A Zebu faz tinta orgânica e imprime em lasca de madeira.
![](https://voluntariadoempresarial.com.br/wp-content/uploads/2020/07/image-1.png)
As possibilidades são infinitas, use a criatividade, e possibilite que negócios sejam repensados sob essa ótica.
![](https://voluntariadoempresarial.com.br/wp-content/uploads/2020/07/xxx.jpg)
2) Organizar ações que reforcem as culturas tradicionais
Honrar as tradições, a memória, e a história de uma região faz parte de uma cultura regenerativa. Revivê-las, ainda que online por conta do estado de quarentena, valorizá-las, recontá-las, faz parte de um trabalho voluntário que conecta a ancestralidade local com as práticas de recuperação e regeneração.
Os nossos ancestrais estavam em muito maior harmonia com o planeta, e sua forma de viver podem ensinar muito a nós, nos dias atuais.
O seu grupo de voluntários pode, por exemplo:
- Fortalecer a memória das figuras importantes do país ou da sua comunidade, através de vídeos e galerias virtuais.
- Compilar e partilhar os conhecimentos dos cidadãos mais velhos da sua comunidade, bem como práticas ancestrais
- Trazer de volta alguns conhecimentos no trato com a terra e o plantio com base em experiências e relatos de comunidades indígenas.
3) Montar e cuidar de uma horta ou jardim comunitário
Considerando os cuidados com a pandemia, o contato com a terra em pequenos grupos podem trazer grandes benefícios.
Podendo compor, inclusive, atividades extra-curriculares com crianças em sua fase de desenvolvimento.
O trato com a terra tem muito a ensinar. A filosofia educacional Waldorf está de acordo com isso.
Enquanto voluntários, ou co-cidadãos no seu próprio bairro, lote, ou no espaço comunitário, vocês podem:
– Redesenhar o jardim ou horta de forma a contemplar plantas que cresçam no inverno, outras no verão, estudando sobre o solo local, sobre o tipo de clima, o que se pode colher e quando, o que se pode reaproveitar. A internet está repleta de dicas sobre como fazer isso. O importante é cuidar do processo do início ao fim, ao máximo possível: a regra é não gerar resíduo que não seja reaproveitado.
A permacultura tem tudo a ver com a cultura regenerativa.
4) Redesenhar casas ou sedes de entidades sociais para que sejam mais verdes
O seu grupo de voluntários pode estuda formas de que suas dependências, dependências sejam mais eficientes do ponto de vista energético, e que adotem-se práticas de reutilização de recursos de forma a não gerar desperdício.
Como usar melhor a energia do sol? Quais recursos podem ser partilhados pelos moradores da rua e do bairro? Como o que sobra poderá ser ser reaproveitado? Essas e outras perguntas fazem parte de um desafio desse gênero.
5) Catalogar espécies locais
Essa ação pode ser divertida para ser realizada com a família. Catalogue as espécies da fauna e da flora local, e registrem. Vocês utilizar câmaras fotográficas e galerias virtuais. E podem inclusive monitorar o andamento – evolução ou redução – dessas espécies e o porquê.
Você tem mais sugestões de como aplicar a economia regenerativa ao voluntariado? Deixe abaixo nos comentários! 😉