Economia regenerativa aplicada ao voluntariado

Para iniciar esse post, vou fazer uma citação que fala sobre quais ações de voluntariado podem ser desenvolvidas sob a ótica da cultura e da economia regenerativa.

“Sustentabilidade não é o suficiente: precisamos de culturas regenerativas” (Daniel Christian Wahl)

A frase dita acima faz uma provocação no sentido de que prevenir não é mais suficiente para termos uma vida humana saudável no planeta, mas, tão importante quanto, também recuperar e regenerar.

Isso tudo faz muito sentido quando percebemos que a ação inconsequente do homem sobre a Terra pode ter passado dos limites. 

(Se você preferir, ou já conhecer do assunto, pode rolar o texto direto para o item C: as dicas de ações, mas aconselho fortemente que se inteire dos conceitos que vou apresentar inicialmente).

A) Cultura Regenerativa

“A sustentabilidade, por si só, não é uma meta adequada. A palavra sustentabilidade em si é inadequada, visto que não nos diz o que estamos realmente tentando sustentar”, diz Wahl.

Afinal, queremos sustentar o status quo? Os atuais sistemas econômicos e produtivos? Sustentar a vida na Terra?

Segundo o mesmo autor, uma Cultura Humana Regenerativa preza pela saúde, resiliência e adaptabilidade. Percebendo o planeta como o ativo fundamental para uma sobrevivência próspera no mesmo.

A resiliência e a saúde nessa forma de pensar são muito interligados. Pois resiliência com o planeta significa a capacidade de reestabelecer o equilíbrio sempre que um evento aconteça, como observamos agora com a pandemia do coronavírus.

Resiliência sistêmica

De forma conectada com os tempos, fluxos e recursos, a adaptabilidade seria a capacidade de ler e interpretar os movimentos da Terra, e modificar os sistemas econômicos e sociais em resposta à vida espontânea e não controlável que nosso planeta possui.

Uma cultura regenerativa tem, portanto, a ver com uma resiliência sistêmica.

A melhor forma de aprender a participação correta é prestar mais atenção às interações e aos relacionamentos sistémicos e, visando apoiar a resiliência e a saúde de todo o sistema, promover diversidade e redundâncias em múltiplas escalas, e para facilitar o surgimento positivo ao atentar para a qualidade das conexões e dos fluxos de informação no sistema”. (Daniel Christian Wahl).

– O Princípio da Precaução

É o princípio que mais tem a ver com o tema da sustentabilidade como conhecemos, e que integra a Cultura Regenerativa. Ele visa prever e estabelecer práticas de integração entre o social, econômico e ambiental, sem traçar limites entre um âmbito e outro (ou sem separá-los), visando evitar ao máximo que as práticas regenerativas sejam necessárias.

A Declaração de Consenso de Wingspread sobre o Princípio da Precaução afirma:

 “Quando uma atividade ameaça trazer danos para a saúde humana ou para o ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo que algumas relações de causa e efeito não tenham sido cientificamente estabelecidas” (Declaração de Wingspread, 1998).

Bill Reed mapeou algumas das mudanças essenciais que serão necessárias para criar uma cultura verdadeiramente regenerativa.

“Em vez de causar menos danos ao meio ambiente, é necessário aprender como participar do meio ambiente — usando a saúde de sistemas ecológicos como base para o design. […] A mudança de uma visão de mundo fragmentada para um modelo mental de sistemas abrangentes é o movimento significativo que a nossa cultura deve fazer — delineando e compreendendo as interrelações do sistema vivo de forma integrada. Uma abordagem de base local é uma forma de alcançar esse entendimento. […] O nosso papel, como designers e acionistas, é mudar o nosso relacionamento para um que cria um sistema completo de relacionamentos mutuamente benéficos”(Bill Reed, 2007: 674).

B) A Economia Regenerativa

A Economia Regenerativa é um modelo econômico que traz a renovação e reutilização de recursos como primeira alternativa. A ação sustentável é assim pensada não como uma prática extra-oficial, mas necessariamente integrante. Assim como em qualquer processo na natureza, que não termina com o descarte, mas com a sua reutilização imediata.

Em sintonia com essa ideia, a economista Kate Raworth lançou o livro Doughnut economics: seven ways to think like a 21st century economist, ou Economia da rosquinha: sete maneiras de pensar como um economista do século XXI, que explica que nos últimos anos a atividade econômica fundamentou-se num processo extrativista – degenerativo do planeta.

Nele a matéria prima é utilizada e depois, o rejeito, jogado fora – como se existisse um fora – e a resposta para esse modo de operar foi o conceito de sustentabilidade como o conhecemos, basicamente preventivo.

Não basta preservar, é preciso recuperar

Com base na cultura regenerativa, a economia regenerativa volta os olhos para aquilo que já foi danificado, para as comunidades e ecossistemas degradados, não como algo que substitua do conceito de sustentabilidade, mas como uma adaptação do seu censo de urgência e prioridade. Não basta preservar, é preciso recuperar.

“A economia regenerativa é uma proposta teórica em sintonia com o sistema capitalista vigente, mas que sugere mudanças no modo como as coisas são valoradas. O que a diferencia da economia padrão é que, enquanto na teoria econômica padrão pode-se regenerar os bens ou consumi-los até seu ponto de escassez, na economia regenerativa, ao levar em conta o valor econômico dos capitais originais, a Terra e o sol, pode-se restringir o acesso a esses bens de capital original de maneira que sua escassez seja evitada” (Fonte: ECycle).

Princípios da economia regenerativa

O site ECycle apresenta o que seriam 8 princípios da Economia Regenerativa. Partindo do pressuposto de que o princípio da ética do cuidado universal seja usado no desenho de iniciativas num sistema econômico.

  • Relacionamento: “A humanidade é parte integrante de uma teia interconectada de vida em que não existe separação real entre “nós” e “eles””. Danos em qualquer parte influenciarão no todo.
  • Riqueza holística: Riqueza e abundância não são sinônimos de dinheiro – moeda. Mas também bem-estar coletivo, da harmonia entre capital, tempo, sociedade, cultura, seres vivos. Abundância de experiência, de vida.
  • Inovação, adaptação, sensibilidade: a mudança é uma constante no mundo. Inovar e adaptar são sinônimos de sobrevivência.
  • Honra, comunidade e local: é necessário nutrir cada comunidade e região de acordo com sua história, caminho até agora, e suas tradições. Respeito ao local.
  • Abundância do efeito de borda: trabalha a colaboração em todas as margens, ou seja, com a diversidade e o intercambio de sabedoria que essa prática possibilita.
  • Equilíbrio: O balanço entre forças como:eficiência x resiliência; colaboração x competição; diversidade x coerência; e pequenas, médias, grandes organizações x necessidades.

“El mundo natural es un gran maestro. En él no existen los residuos, sino que la materia fluye. Desoyendo su lección, los humanos hemos implantado un enfoque mucho menos efectivo: producimos, utilizamos y desechamos”. (El periódico).

A economia circular  está muito alinhada com a economia regenerativa na medida em que pensa os recursos não de forma linear, eliminando resíduos e poluição, mantendo produtos e materiais em ciclos de uso, e regenerar sistemas naturais.

C) 5 Ações de voluntariado alinhados a economia regenerativa

Enquanto voluntário ou promotor de voluntariado você pode planejar ações voltadas para o exercício, prática ou estabelecimento de uma cultura regenerativa. Favorecendo assim maior materialidade para uma economia de regeneração.

Algumas práticas são próprias desse racional, as outras talvez tenham a ver mesmo com o seu advocacy, conforme as dicas abaixo, que espero deixar os leitores inspirados.

1) Promover mentoria para criação de negócios regenerativos

Se o seu grupo de voluntários tem a vocação ou as competências necessárias para apoiar outros grupos que querem desenvolver um negócio social, pautado sob a ótica regenerativa, você não precisa ser o empreendedor que monta um negócio assim, mas aquele voluntário(a) que acompanha e apoia quem empreende. Veja alguns exemplos desse tipo de negócio:

  • A empresa Sofá Café por exemplo pode ser uma boa inspiração de negócio no âmbito da alimentação.
  • E a Insecta Shoes, que produz calçados, bolsas e acessórios de materiais recicláveis. No caso dos sapatos, a sola, é feita com borracha reciclada. A palmilha é toda feita com a sobra de tecidos da nossa produção ou de produtos antigos que voltaram de logística reversa. Os fornecedores são sempre locais. O cabedal pode ser feito de: roupas de brechó, garrafa PET reciclada, algodão reciclado ou tecido de reuso. O insecta possui ainda uma série de e-books que podem ser replicados por você enquanto voluntário.
  • A Ford tem incluído diversos tipos de materiais em seu processo gomas de mascar recicladas na produção de peças automotivas – substituindo os antigos.
  • A Zebu faz tinta orgânica e imprime em lasca de madeira.
(Fonte: Zebu).

As possibilidades são infinitas, use a criatividade, e possibilite que negócios sejam repensados sob essa ótica.

Conheça Alexandre Orion, o grafiteiro que faz arte com poluição” (Catraca Livre)

2) Organizar ações que reforcem as culturas tradicionais

Honrar as tradições, a memória, e a história de uma região faz parte de uma cultura regenerativa. Revivê-las, ainda que online por conta do estado de quarentena, valorizá-las, recontá-las, faz parte de um trabalho voluntário que conecta a ancestralidade local com as práticas de recuperação e regeneração.

Os nossos ancestrais estavam em muito maior harmonia com o planeta, e sua forma de viver podem ensinar muito a nós, nos dias atuais.

O seu grupo de voluntários pode, por exemplo:

  • Fortalecer a memória das figuras importantes do país ou da sua comunidade, através de vídeos e galerias virtuais.
  • Compilar e partilhar os conhecimentos dos cidadãos mais velhos da sua comunidade, bem como práticas ancestrais
  • Trazer de volta alguns conhecimentos no trato com a terra e o plantio com base em experiências e relatos de comunidades indígenas.

3) Montar e cuidar de uma horta ou jardim comunitário

Considerando os cuidados com a pandemia, o contato com a terra em pequenos grupos podem trazer grandes benefícios.

Podendo compor, inclusive, atividades extra-curriculares com crianças em sua fase de desenvolvimento.

O trato com a terra tem muito a ensinar. A filosofia educacional Waldorf está de acordo com isso.

Enquanto voluntários, ou co-cidadãos no seu próprio bairro, lote, ou no espaço comunitário, vocês podem:

– Redesenhar o jardim ou horta de forma a contemplar plantas que cresçam no inverno, outras no verão, estudando sobre o solo local, sobre o tipo de clima, o que se pode colher e quando, o que se pode reaproveitar. A internet está repleta de dicas sobre como fazer isso. O importante é cuidar do processo do início ao fim, ao máximo possível: a regra é não gerar resíduo que não seja reaproveitado.

A permacultura tem tudo a ver com a cultura regenerativa.

4) Redesenhar casas ou sedes de entidades sociais para que sejam mais verdes

O seu grupo de voluntários pode estuda formas de que suas dependências, dependências sejam mais eficientes do ponto de vista energético, e que adotem-se práticas de reutilização de recursos de forma a não gerar desperdício.

Como usar melhor a energia do sol? Quais recursos podem ser partilhados pelos moradores da rua e do bairro? Como o que sobra poderá ser ser reaproveitado? Essas e outras perguntas fazem parte de um desafio desse gênero.

5) Catalogar espécies locais

Essa ação pode ser divertida para ser realizada com a família. Catalogue as espécies da fauna e da flora local, e registrem. Vocês utilizar câmaras fotográficas e galerias virtuais. E podem inclusive monitorar o andamento – evolução ou redução – dessas espécies e o porquê.

Você tem mais sugestões de como aplicar a economia regenerativa ao voluntariado? Deixe abaixo nos comentários! 😉