O voluntariado, como o conhecemos, adaptou-se aos desafios causados pela pandemia. Isso porque necessidades inéditas, como o uso de máscaras, e outras não tão desconhecidas, como a fome, bateram às portas dos cidadãos do Brasil e do mundo. Nesse contexto a solidariedade, para ultrapassar tudo isso, mostrou-se como resposta.
A coesão social se faz necessária e é pré-requisito para o atingimento mínimo da Agenda 2030.
Necessidades básicas ameaçadas
Duas necessidades básicas para a sobrevivência humana vêm assustando as camadas mais vulneráveis da população mundial: respirar e comer. Ainda que os avanços com a vacinação aconteçam e que alguns países consigam afrouxar um pouco as restrições de contenção à Covid-19, a pandemia deixa sequelas físicas, emocionais, sociais e econômicas.
De acordo com matéria no portal da Unicef, “embora o impacto da pandemia ainda não tenha sido totalmente mapeado, um relatório de várias agências estima que cerca de um décimo da população global – até 811 milhões de pessoas – enfrentaram a fome no ano passado. O número sugere que será necessário um tremendo esforço para o mundo honrar sua promessa de acabar com a fome até 2030”.
Insegurança alimentar
No Brasil, até o final do ano passado, 116,8 milhões de pessoas precisaram lidar com algum nível de insegurança alimentar, segundo estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).
Desse número, 9% da população (19,1 milhões) enfrentavam o nível da fome, que é o mais grave da insegurança alimentar. Em comparação, um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado entre 2017 e 2018, com um número maior de pessoas, apontou que 4,6%, em situação de fome.
O que é insegurança alimentar?
“A insegurança alimentar é uma situação em que a população de um país ou região não tem acesso físico, social e econômico a recursos e alimentos nutritivos que atendam às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável” (Fonte: https://www.ecycle.com.br/inseguranca-alimentar/).
E diante de indicadores como esse, e da urgência pela assistência do Estado junto aos públicos vulneráveis, o setor privado se movimentou. E, com ele, o voluntariado empresarial também se moveu.
Mas como se comportou o voluntariado desde a pandemia? Mudanças ocorreram? Veja a seguir.
A solidariedade e a sobrevivência: o voluntariado se adaptou
Não há como dizer se as práticas de solidariedade aumentaram ou diminuíram no Brasil durante a pandemia, pois ao mesmo tempo que o sentimento de entreajuda se fez presente, as pessoas foram obrigadas a ficar isoladas e distanciadas socialmente em suas casas, num cenário em que a melhor atitude de solidariedade era manter o máximo de distância, para evitar a propagação do vírus.
Em paralelo, desde o ano passado, observei junto aos colegas do setor do voluntariado uma imensa movimentação de pessoas e instituições para que, de maneira comprometida, pudessem fazer alguma coisa por quem estava passando pela pandemia de maneira muito mais difícil do que outros.
A necessidade de manter o isolamento social deu vez ao Voluntariado Digital
Os programas de voluntariado agiram, e também se adaptaram, para dar conta das causas que iam da saúde à insegurança alimentar.
Programas diversos fizeram movimentações on-line, ações digitais, iniciativas no terreno coordenadas de forma cirúrgica de modo a evitar ao máximo as aglomerações, retorno massivo de atividades de angariações e doações de recursos de toda ordem, e partilha de competências à distância. Tudo para salvaguardar o aprendizado que ficou estagnado com o sistema de ensino sem saber o que fazer.
Assim, constata-se que houve uma adaptação das ações voluntárias para o modelo digital, e enquanto o voluntariado coletivo ficou mais centrado nas doações a distância, o voluntariado digital de competências foi testado com maior frequência e ganhou mais confiança.
O que é o voluntariado de competências?
“O voluntariado de competências trata-se de envolver os voluntários em práticas onde estes possam utilizar as suas competências profissionais, disponibilizando assim o seu conhecimento técnico e know-how específico ao serviço de necessidades de entidades da Economia Social.
Paralelamente, esta vertente do voluntariado torna possível que, mesmo em tempos de pandemia e fazendo uso das novas tecnologias, empresas possam continuar a desenvolver os seus programas de Voluntariado Corporativo aportando valor em organizações parceiras” (Afonso Borga em artigo para o V2V).
Ou seja, o digital tornou possível que, mesmo em distanciamento físico, empresas pudessem continuar a estimular os seus colaboradores a atuarem como voluntários.
Do digital ao local: o apoio mútuo na vizinhança
Localmente, diante da pandemia, os territórios buscaram se reorganizar e se auxiliar por meio de ações de entreajuda. Desde jovens que pudessem apoiar os idosos e outras pessoas consideradas como públicos de risco, até o apoio com os comércios menores que ainda hoje correm risco de falência. Infelizmente muitos faliram.
As ações dos voluntários e das instituições, localmente, em alguns casos com a ajuda do voluntariado corporativo, estiveram durante esse período sustentadas em algumas áreas prioritárias, como as detalhadas a seguir.
Áreas do voluntariado mais ativas desde a Covid 19
Área da saúde
– Apoio aos profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à Covid-19.
– Apoio com equipamentos de proteção para os profissionais de saúde e para a comunidade em geral.
– Sensibilização para os cuidados a serem tomados, inclusive o de ficar em casa.
Públicos vulneráveis
– Compra de suprimentos e cuidados para públicos vulneráveis (como ir ao supermercado para os idosos).
– Doações de cestas básicas e materiais de primeira necessidade.
– Medidas de suporte geral ao isolamento, especialmente com o público idoso.
Apoio à atividade econômica
– Apoio à atividade econômica local (compra de pequenos produtores e produtores locais).
– Mentorias profissionais para jovens e para empreendedores.
Educação
– Apoio com estrutura para o acesso ao Ensino a Distância – EAD (computadores, tablets).
– Apoio com conteúdo pedagógico on-line.
A Agenda 2030 demanda maior coesão e solidariedade
Então, ainda que as empresas e seus programas de voluntariado se mexam, é de se esperar que todos os impactos negativos da pandemia influenciem a Agenda 2030. De forma mais urgente há necessidade de assegurar alimento e segurança mínima para todos, vide os desafios apresentados no início deste texto.
Dirigindo-se à Assembleia Geral, em janeiro de 2020 o secretário-geral das Nações Unidas convocou a comunidade mundial para embarcar em uma Década de Ação global. Na época de seus comentários, poucos poderiam ter imaginado a agitação sem precedentes que afetaria o mundo apenas algumas semanas depois.
O surgimento da pandemia de Covid-19 exacerbou alguns dos desafios de desenvolvimento mais persistentes.
No entanto, o documento deduz que, diante de situações adversas (ou não),
“o voluntariado poderia ter um impacto muito maior se todo o seu potencial fosse apoiado por estruturas, sistemas e parcerias que reconheçam e respondam com flexibilidade às suas características complexas e mutáveis e contribuições holísticas” (Relatório de Síntese Global – 2020).
Desafios para o voluntariado integrar melhor a Agenda 2030
O voluntariado ainda é frequentemente visto como algo separado de outros aspetos do desenvolvimento global e local.
Da mesma forma, a ampla gama de práticas de voluntariado em todo o mundo raramente é reconhecida como contribuição para alcançar o desenvolvimento sustentável.
E apesar desses desafios, novas tendências podem ajudar a medir, provar e fortalecer o impacto do voluntariado para o desenvolvimento dos territórios.
Para tal, é necessário refletir sobre os tipos de práticas de voluntariado corporativo que podem melhor apoiar uma maior apropriação da Agenda do Desenvolvimento pelos públicos mais vulneráveis.
Os maiores desafios
E esse alinhamento da Agenda 2030 e do voluntariado corporativo que mira no desenvolvimento local, e no apoio às causas urgentes como as dos ODS 1 e 2, pode trazer alguns desafios:
- Reenquadrar a narrativa para uma fala mais integrada, que venha também da comunidade. A compreensão dominante do voluntariado no discurso político foi estruturada e está enraizada nas experiências dos países do Norte. Até o momento, tem havido uma tendência de negligenciar a riqueza das práticas de voluntariado no Sul global e do voluntariado local no nível das comunidades ou de vê-las como contribuições legítimas para o desenvolvimento. Essas lacunas de compreensão devem ser abordadas com urgência para fornecer uma base mais integrada e significativa para as políticas e os programas de voluntariado corporativo que integrem o voluntariado para os ODS.
- Reconhecer todos os tipos de trabalho voluntário. Os voluntários se envolvem em uma ampla gama de atividades em seu tempo livre – desde ativistas engajados em movimentos sociais e associações comerciais, até comunidades on-line. Isso tem implicações para as abordagens que tradicionalmente se concentram mais no voluntariado formal. Novos modelos são necessários para que se possam abarcar os esforços dos colaboradores integralmente e para que estes percebam a empresa como parceira nos seus propósitos sociais, e não apenas capturando o seu tempo para enquadrar dados em relatórios.
- Lidar com desigualdades persistentes. Os padrões de participação mostram como o voluntariado geralmente reflete as linhas de falha de gênero, idade, situação de emprego e uma série de outros fatores socioeconômicos. As oportunidades de apropriação da agenda de desenvolvimento devem aproveitar o poder do envolvimento de toda a sociedade para ir além e aumentar a voz e a representação daqueles excluídos e vulneráveis, fazendo de todo o processo uma bandeira de diversidade, inclusão e garantia dos direitos humanos.
- Combater as desigualdades emergentes. Oportunidades emergentes e práticas em evolução no voluntariado trazem novos riscos. Por exemplo, o voluntariado online pode inadvertidamente reforçar a exclusão digital e, de fato, há sinais iniciais de que a pandemia de Covid-19 pode impor mais desvantagens digitais a certos grupos. As oportunidades para as pessoas participarem devem levar esses desafios em consideração, especialmente em contextos menos desenvolvidos, e o voluntariado corporativo deve apoiar e considerar toda a inclusão.
A Agenda 2030 reconhece que a chave para o seu sucesso é que ela seja “das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas”. O voluntariado é uma das principais formas de as pessoas participarem dos processos de desenvolvimento.
Presencial x digital x híbrido
E também é importante entender os modelos que melhor se ajustam às diferentes motivações dos voluntários, desde esquemas mais pontuais, até alianças de longo prazo, optando-se ainda, hoje em dia, entre os modelos presencial, digital ou híbrido.
Planeje um programa de voluntariado que olhe para a integração com a Agenda 2030
Então, olhar para esses desafios, para assim planejar as ações deste ano e do próximo, pode contribuir para o avanço do alinhamento do voluntariado com a Agenda 2030, agindo cada vez mais nos focos estruturais, que em geral estão ligados à assimetria social, e aos seu fatos geradores.
Sabemos que em setembro iniciam-se os planejamentos 2022 e sua respectiva orçamentação.
Assim, não deixe de levar em consideração a emergência de assuntos como:
– O crescimento do desemprego e da insegurança alimentar.
– Os esforços e desafios que a Agenda 2030 enfrentará.
– Como o voluntariado pode contribuir para a Agenda 2030 e ainda ser reconhecido como ferramenta fundamental.
– Modelos (digital, presencial e híbrido) que se adequam melhor aos objetivos e às ações do seu programa.
– Tipos de transformações que o voluntariado de competências pode trazer e que o voluntariado coletivo pode alcançar.
E, para todos esses casos, conte com a nossa experiência!