* Por Leandro Waquil
Grande parte dos modelos econômicos negligencia o estudo dos seres humanos, apesar da teoria econômica só fazer sentido por conta da interação entre seres humanos.
Estranho, não?
Desde Adam Smith (o pai da ciência econômica moderna) no século XIII, passando por Keynes nos anos 1930, já eram dados importantes sinais de que o comportamento e as emoções dos seres humanos desempenham papel significativo na sua tomada de decisões.
O Homo Economicus
No entanto, desde os anos 50 o debate económico tem sido dominado por uma abordagem de comportamento das
pessoas, nomeadamente o conceito do Homo Economicus que possuiria as seguintes características principais:
- Alta capacidade racional, faz sempre a melhor escolha possível;
- Tem como objetivo maximizar sua utilidade;
- Foco no autointeresse (egoísmo, mesmo);
De forma bem simplista, esta teoria considera que o comportamento coletivo, derivado do individual, daria bons frutos sociais. Ou seja, viveríamos em um mundo onde todos estariam satisfeitos, pois todas as decisões dos agentes seriam as melhores possíveis, ao maximizar as utilidades e ao focar no seu próprio interesse
Sim, há ironia e exagero na caracterização deste mundo.
Inconsistências de um modelo
No entanto, é prudente reconhecer a existência de algumas inconsistências deste modelo versus a realidade (para dizer o mínimo). E isso deve ser feito pois esta abordagem é base para a definição de muitas das regras econômicas e financeiras vigentes atualmente e moldam o que conhecemos hoje como capitalismo.
Mais do que isso, tal abordagem, e seus pressupostos, ajudam principalmente a moldar o comportamento das empresas e dos seus gestores.
Escolas de negócios forjam os líderes baseadas nesse mindset de maximização e de autointeresse e estes, por sua vez, são cobrados pelos acionistas e pelo “mercado” – que seria o habitat do Homo Economicus.
Nesse ideal, todos se entendem, o mundo funciona em harmonia e fim…#sqn.
Um modelo obsoleto que não beneficia o social
Em resumo, vivemos um modelo de organização econômica de autointeresse e maximização de lucros, baseado num conceito criado em um contexto geopolítico global de 70 anos atrás, e que tem sido referência para a atuação de gestores ao redor do mundo.
Neste modelo, acaba sendo óbvio deduzir que o voluntariado simplesmente não tem sentido econômico sob a ótica de quem decide.
Precisamos de um modelo de desenvolvimento que seja mais próximo da realidade e que, principalmente, considere que somos humanos.
A crise financeira do final dos anos 2010 confirmou que precisamos urgentemente de outro formato de organização pois os mercados sozinhos não conseguiram prever e resolver fatos e consequências do seu próprio funcionamento.
Há como solucionar?
É aí que, novamente (novamente??), a teoria econômica pode ajudar. Desde o fim dos anos 70 vem ganhando força uma abordagem alternativa dos agentes para se contrapor ao Homo Economicus.
A ideia é reconhecer – a partir de uma construção positiva, baseada em fatos – vieses do nosso comportamento humano, de forma a ajustar os incentivos em favor de um modelo mais alinhado com o que somos.
Trazer a teoria para a prática a partir da observação da vida real, e recompensar os comportamentos que beneficiam a sustentabilidade.
Um dos principais pensadores desta nova abordagem comportamental é Richard Thaler, ganhador do Premio Nobel de Economia e autor de ótimos trabalhos sobre Economia Comportamental.
Em um trecho de Misbehaving (em português, Comportamento Inadequado) – aliás, um excelente livro – o autor nos conta, a partir de experimentos, que se as pessoas aprendem que ser egoísta é a melhor coisa a fazer, as taxas de cooperação entre elas tendem a diminuir com o tempo.
No entanto, ele enfatiza que a grande maioria das pessoas pode ser caracterizadas como cooperadores condicionais, o que significa que estamos dispostos a cooperar se outros também o fizerem.
Sendo assim, aqui o importante de ser destacado é a existência de uma abordagem alternativa para ajudar a melhorar a forma como as pessoas se organizam e interagem. Afinal, este é sentido – inclusive etimologicamente – da economia.
Como o voluntariado entra no assunto?
Ok, mas e o que isso tudo tem a ver com voluntariado? Talvez tudo…
Na esteira da emergência climática já tão propagada, outras importantes questões ambientais e sociais têm estado no centro de discussões de pessoas, empresas e governos.
Não à toa, algumas das mais importantes questões sociais e ambientais são os 8 primeiros entre os 10 maiores riscos apontados pelos respondentes de pesquisa publicada pelo World Economic Forum no Relatório The Global Risks Report 2022.
O enfrentamento destes riscos exige uma completa transformação na forma (teórica e prática) como conduzimos nossos negócios e nossas vidas.
Mais do que nunca, soluções adequadas para estas crises devem considerar a participação de todos e neste contexto a cooperação entre os agentes é chave.
No nível global, uma maior cooperação entre nações. No nível empresarial, uma maior cooperação das companhias entre si e das companhias com seus stakeholders.
O voluntariado como dinamizador de cooperação
Eis que chegamos ao ponto de conexão dos conceitos. Incentivar a prática do voluntariado pode ser uma forma interessante de dinamizar a cooperação das empresas com a sua comunidade, com vistas à superação dos maiores desafios da nossa existência.
Com bons fundamentos teóricos e os corretos incentivos esta pode, inclusive, ser uma forma de geração de valor para os negócios – inclusive maior do que o valor reputacional.
Mesmo não sendo o remédio para a cura de todo o mal, o voluntariado pode sobretudo ser uma forma pratica de reforçar o potencial natural cooperativo do ser humano, como indicado por Thaler.
A partir destas ações temos uma importante ferramenta para a mudança de paradigma econômico – não mais centrado no autointeresse – para um novo, cujo pilar seja o da cooperação. Somente com uma mudança estrutural poderemos combater com sucesso os maiores riscos da nossa era.
*Leandro Waquil é economista, casado e pai de uma linda menina. Com quase 20 anos de experiência em finanças corporativas, decidiu colocar a cabeça pra fora da água e respirar novos ares sustentáveis, sem se desconectar de todas as dores e delícias do mundo financeiro e dos negócios. Acredita verdadeiramente na potência das organizações como fator fundamental de evolução para uma nova economia. Boas e más línguas afirmam que é louco.
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