*Por Julia Bussab
Combater o desmatamento da Amazônia não é uma tarefa trivial, já que suas raízes são estruturais e não apenas conjunturais. Para resolver um problema estrutural, é preciso engajar todos os setores da nossa sociedade num modelo de mudança sistêmica.
São necessárias ações coordenadas entre sociedade civil, governos e setor privado. É fundamental que haja coordenação institucional e todas essas coisas que já viraram cliché nos belos discursos clamados pelas autoridades nas conferências climáticas.
Saiba a diferença entre problema conjuntural e estrutural
Problema de Raiz Conjuntural: Problemas causados por um fato ou situação específica. No caso do desmatamento, frequentemente a mídia e os discursos políticos jogam a responsabilidade para o clima seco, que é uma questão conjuntural.
Problema de Raiz Estrutural: Problemas sistêmicos causados pela estrutura do sistema político econômico. Voltando à questão do desmatamento da Amazônia, dizer que o problema é estrutural é dizer que as queimadas não são causadas por causa do período da seca, mas sim por uma estrutura robusta em todos os níveis geopolíticos, que priorizam a exploração de recursos naturais para acúmulo de riqueza capital.
Para resolver um problema estrutural, é preciso engajar todos os setores da nossa sociedade num modelo de mudança sistêmica.
Sobre desafios a enfrentar
O desafio é colocar isso em prática. O Brasil conta com o melhor, mais avançado e mais confiável sistema de controle e alerta de desmatamento do mundo. Um sistema que tem sido copiado por vários outros países e instituições que buscam alternativas de prevenção da degradação florestal. Mas falta vontade e coordenação política para transformar esse sistema em ações.
E, na atual conjuntura, o problema se torna ainda mais crítico já que 60% da floresta amazônica está localizada num país que vem deliberadamente se desencontrando na sequência de políticas públicas de controle do desmatamento como uma das principais fragilidades dos planos de governo. Nesse cenário, pressões políticas que clamam por uma mudança de postura por parte do governo brasileiro serão infrutíferas.
Resta, então, contar com o protagonismo das outras instituições que ainda se importam com a preservação da floresta e dos povos que ali habitam. A sociedade civil e o setor privado precisam se unir para se fortalecerem com ações eficazes e efetivas.
O Voluntariado como estratégia
Entra em jogo aqui o voluntariado como uma das grandes estratégias para o combate ao desmatamento na Amazônia. Não me refiro ao voluntariado colonizador, mas sim um transformador, ou seja, um voluntariado que chega para desmarginalizar a Amazônia e colocá-la no centro.
A primeira ideia que precisamos desconstruir para estruturar um voluntariado transformador é que a Amazônia é um lugar selvagem e inabitado. A maioria da população amazônica de hoje vive em ambientes urbanos, enquanto os ambientes rurais são amplamente ocupados por populações com diferentes características socioeconômicas e culturais.
A segunda ideia que precisamos desconstruir sobre Amazônia é a nossa prepotência de achar que nós sabemos mais do que os povos locais. Ninguém sabe mais de Amazônia do que os povos amazônicos. Por isso, o principal segredo do voluntariado transformador na Amazônia é “saber ouvir”.
A primeira ideia que precisamos desconstruir sobre Amazônia para estruturar um voluntariado transformador é que a Amazônia é um lugar selvagem e inabitado.
“a nossa prepotência de achar que nós sabemos mais do que os povos locais. Ninguém sabe mais de Amazônia do que os povos amazônicos”.
Saber ouvir como principal competência do diálogo
O saber ouvir se torna ainda mais relevante.
A instrumentalização desse saber ouvir é um grande desafio. Mas é um desafio que deve ser encarado de forma colaborativa. Há inúmeras organizações estabelecidas na Amazônia que dialogam com comunidades locais há décadas.
O movimento indígena está cada vez mais fortalecido e pronto para construir pontes com o mundo não-indígena. Atores políticos locais também devem ser ouvidos, inclusive aqueles que são envolvidos com atividades ilegais e extrativistas, pois muitas vezes essa é a única fonte de renda que eles possuem.
É preciso entender a complexidade da grande rede de organizações sociais e políticas que estão presentes na Amazônia, como elas se relacionam e como formam as estruturas geopolíticas locais. Só a partir daí será possível construir um plano que de fato leve em consideração as particularidades locais.
Um diálogo que respeite os diversos desafios interculturais entre o mundo dos negócios e dos índios é o único caminho viável e produtivo para a Amazônia.
Porém esse diálogo leva tempo e talvez esse seja um tempo que não é compreendido pela pressa do setor privado em produzir resultados econômicos.
Precisamos nos abrir para aprender outras formas de entender o tempo, um que respeite o tempo da natureza.
Porém esse diálogo leva tempo e talvez esse seja um tempo que não é compreendido pela pressa do setor privado em produzir resultados econômicos.
O que fazer no setor privado
O setor privado e seus investidores que estão demonstrando cada vez mais preocupação com o aumento das queimadas na Amazônia devem abandonar duas práticas que estão sendo ineficientes:
1) a de apenas pressionar o governo, pois, como eu já disse acima, o desencontro das políticas ambientais é uma agenda desestruturante, o quão proposital não sabemos, e em quais níveis isso emperra fica difuso de entender.
2) a de lançar agendas de investimento para a Amazônia construídas em seus escritórios com base em informações secundárias. As práticas colonialistas de imposição de interesses de agenda e conhecimento devem dar espaço ao diálogo e à construção horizontal, feita a partir da Amazônia para a Amazônia.
O voluntariado transformador escuta e aprende
Desmatar para produzir é uma forma europeia e colonialista de usar e ocupar o solo. Nós não sabemos produzir de outra forma, quem sabe são os índios.
Ou seja, o segredo do combate ao desmatamento da Amazônia não está no governo, na ciência produzida pelo europeu ou nos acordos climáticos internacionais. O fim do desmatamento na Amazônia está no conhecimento milenar de uso e ocupação do solo que só os índios possuem.
E é a partir desse princípio que deve ser construída a estratégia de Voluntariado Transformador pela Amazônia.
Um voluntariado pautado no respeito ao diálogo e na compreensão de outro tempo é um voluntariado que pode transformar significativamente nossas dinâmicas econômicas e construir um novo entendimento sobre o que é riqueza e eficiência.
Empresas que querem investir em um Voluntariado Transformador pela Amazônia precisam entender que investir na Amazônia é um investimento em mudança estrutural.
É um investimento em outras formas de fazer negócio e esse investimento não pode ter pressa de retorno do capital investido.
Voluntariar pela Amazônia é construir pontes de diálogos e interlocução. É investir em projetos que respeitem outra forma de pensar e agir e, principalmente, é aprender com essas outras formas de pensar e agir.
Não há milagres, não pense que é possível fazer de outra forma.
Indivíduos inquietos com o desmatamento também podem se voluntariar. Há espaço para todos que querem agir pela Amazônia, tudo depende da quantidade de tempo que você quer desprender.
Mas o voluntariado pela Amazônia mais importante de hoje é o combate sistemático às fake news, que são umas das principais ameaças à democracia que majoritariamente pede pelo fim do desmatamento.
*Júlia Bussab Fonseca é construtora de pontes de diálogos e busca criar ambientes para comunicação assertiva. É mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela London School of Economics (LSE), fundadora da Gaia Gestão de Projetos Socioambientais e Consultora Ambiental na Aquatera.